Reunimos a seguir vários métodos de meditação transcendental avançada, conforme explicados pelos principais mestres do oriente e ocidente em suas obras de doutrina. Acreditamos que existem muitos caminhos para alcançarmos resultados positivos com as práticas conhecidas milenarmente, bem como, achamos importante apreendermos tais técnicas para adaptá-las aos buscadores do Tao iniciantes. Pretendemos com esta pesquisa preencher algumas lacunas existentes sobre o assunto, antes restrito aos meios esotéricos e monastérios distantes, pela transmissão oral secreta dos mestres aos seus discípulos, e que agora em função do início da Nova Era buscamos trazer à luz.
O MILAGRE DA MENTE ALERTA – PARA VIVER EM PAZ.
Thich Nhât Hanh é considerado um dos maiores exemplos de abnegação e compaixão conhecidos no mundo. Natural do Vietnã, foi testemunha do sangrento conflito, onde participou como assistente social em apoio as vitimas do caos gerado pela guerra. Perseguido em seu próprio país teve que buscar refúgio no Ocidente, onde através de correspondências trocadas com seus discípulos, explica várias questões relativas à meditação e ao processo de despertamento da mente, através de sua visão budista particular na sua obra “O Milagre da Mente Aberta”. Pela singeleza de estilo e simplicidade ao relatar suas técnicas particulares de meditação, baseadas em conhecimentos milenares, sua obra reveste-se de profundidade maior e auxilia a todos que pretendem atingir através da prática da meditação uma vida melhor, com menos apego ao material, em busca da verdadeira transcendência que só pode ser alcançada através da simplicidade do trabalho espiritual, sem misticismo, fórmulas exóticas ou falsas filosofias. A edição que caiu em nossas mãos como um passe de mágica divina, foi traduzida do inglês por Odette Lara, e editada pela editora Vozes, da qual resumimos e transcrevemos os trechos mais relevantes, sendo leitura obrigatória aos buscadores do Tao, iniciantes ou não. A tradutora, na referida edição explica: “O Milagre da Mente Alerta não foi originalmente escrito para ser um livro. ...é uma compilação de textos que, do exílio, Thich Nhât Hanh enviava a Quang, seu substituto na Escola da Juventude para Serviços Sociais no Vietnã. Os textos eram instruções sobre como preparar os novos militantes pacifistas que se apresentavam para servir as vitimas da guerra”.
“Há trinta anos atrás, quando eu ainda era noviço em Tu Hieu Pagoda, lavar louça estava longe de ser uma tarefa agradável. Quando os monges retornavam ao mosteiro para o período de retiro, apenas dois noviços eram encarregados de fazer comida e lavar a louça, às vezes para mais de cem monges. Não havia sabão. Tudo com que contávamos eram cinzas, cascas de arroz, e de coco. Limpar tamanha pilha de pratos e panelas não era fácil, especialmente durante o inverno quando a água era gelada. Antes de começar a esfregar as panelas tínhamos que aquecer um enorme tacho de água. Hoje em dia conta-se com cozinha equipada com sabão líquido, esponjas especiais, e até com água quente corrente, o que torna este trabalho bem mais agradável. É mais fácil divertir-se lavando louça atualmente. Qualquer um faz isso em pouco tempo, podendo em seguida sentar-se para saborear uma boa xícara de chá. Sei mesmo de muitas pessoas que possuem máquina de lavar louça. Quang, posso imaginar uma máquina de lavar roupa, ainda que eu mesmo continue a lavá-la com as mãos, mas uma máquina de lavar louça é demais...”
“Segundo o Sutra da Mente Desperta enquanto se lava a louça, deve-se somente lavar a louça, o que quer dizer: enquanto se está lavando a louça, deve-se estar totalmente cônscio do fato de que está lavando louça. A princípio pode parecer uma tolice: por que dar tanta importância a coisa tão simples? Mas a questão é justamente essa, Quang. O fato de eu estar nesse lugar, lavando essa louça, é uma realidade maravilhosa. Eu aí estou totalmente cônscio de mim, acompanhando minha respiração, sentindo minha presença, observando meus pensamentos e ações. Não há como minha mente se dispersar como as espumas batendo contra os penhascos”.
“Há mais de trinta anos atrás, quando pus os pés no mosteiro pela primeira vez, os monges me deram um livro escrito pelo mestre budista Doc The, de Son Pagoda, intitulado Disciplina Essencial para Uso Diário, pedindo que memorizasse. Era um pequeno livro. Não devia Ter mais do que quarenta páginas, mas continha todos os pensamentos que Doc usava para alertar sua mente enquanto fazia qualquer tarefa. Quando ele acordava de manhã, seu primeiro pensamento era: “Acabo de despertar e faço votos que cada pessoa obtenha total discernimento e clareza de visão”. Ao lavar as mãos: “Estou lavando minhas mãos e espero que cada pessoa tenha pura suas mãos para receber a Realidade”. O livro é todo composto de frases semelhantes. Seu objetivo era ajudar o principiante a tomar consciência. Dessa forma mestre Doc The ajudou a todos nós noviços a praticar, de forma relativamente fácil, aquilo que é ensinado no Sutra da Mente Desperta. Cada vez que você vestia o manto, lavava pratos, ia ao banheiro, dobrava o colchão, carregava água, ou escovava os dentes, podia usar um dos pensamentos contidos no livro para alertar sua consciência”.
“O Sutra da Mente Desperta diz: “Andando, o praticante deve estar cônscio de que está andando. Sentado, deve estar cônscio de que está sentado. Deitado, idem... O praticante deve estar cônscio de qualquer que seja a posição de seu corpo. Ele vive, portanto, constantemente cônscio do seu corpo...” Temos que estar cônscios de cada respiração, cada movimento, cada pensamento e sentimento, de qualquer coisa que esteja relacionada conosco”.
“Mas qual o propósito das instruções contidas no Sutra? Como vamos nós encontrar tempo para praticar tal conscientização? Se você passar o dia inteiro voltado para tal prática, como vai ter tempo para fazer todo o trabalho que precisa ser feito para transformar e construir uma nova sociedade? Como podemos nós, ocupados com tanto trabalho, nos empenhar na prática de alertar a mente?”.
“Minha resposta é: focalize totalmente sua atenção no trabalho que estiver fazendo, mantendo-se constantemente pronto a controlar com habilidade e inteligência qualquer situação que surja – isto é alertar a mente. Mente alerta não é outra coisa senão ter toda sua atenção focalizada na ação que estiver fazendo, mantendo-se capaz de usar discernimento total. Durante os momentos que está fazendo uma consulta ou lidando com o que quer que surja, o assistente social precisa ter autocontrole e o coração calmo para obter bons resultados. Qualquer assistente social pode ver isso. Se não tivermos controle de nós mesmos, e permitirmos que a impaciência e a raiva interfiram, nosso trabalho não terá nenhum valor”.
“Mente alerta é o milagre pelo qual restauramos e conquistamos a nós mesmos. Consideremos, por exemplo, um mágico que corta seu corpo em diversas partes, colocando-as em diferentes lugares – pernas aqui, mãos ali, braços acolá, etc., e num golpe de mágica faz com que todas as partes se juntem novamente. A mente alerta é assim também. É o milagre que permite restaurar, numa fração de segundo, a mente dispersa, reintegrando-a em sua totalidade, de forma a podermos viver cada momento da vida”.
“A mente alerta é ao mesmo tempo um meio e um fim, a semente e o fruto. Quando a praticamos para obter concentração, é semente. Mas ela própria é chama ardente de vida, e é portanto também o fruto. A mente alerta nos livra do esquecimento e da dispersão, capacitando-nos a viver em totalidade cada momento presente”.
“Para isso temos que saber usar a respiração, uma vez que ela é o instrumento natural e de extrema importância para impedir a dispersão. A respiração é o elo que liga a consciência à vida, que une o corpo à mente. Sempre que sua mente começar a vagar, use a respiração para retomar seu controle”.
“Inspire leve e longamente, cônscio de que está inspirando. Depois expire, igualmente cônscio de que está expirando. O Sutra da Mente Alerta ensina o método do uso da respiração da seguinte forma”:
“Esteja sempre cônscio de que está inspirando e expirando. Ao inspirar longamente, mentalize: “Estou inspirando longamente”. Ao expirar, idem. Inspirando brevemente: “Estou inspirando brevemente”. Quando fizer a respiração de corpo inteiro: “Inspiro agora sentindo meu corpo inteiro”. Vá assim por diante treinando: “Inspiro agora acalmando a atividade do meu corpo”.
“Nos mosteiros budistas, aprende-se o uso da respiração não só como instrumento para impedir a dispersão mental, como também para desenvolver o poder da concentração. Poder de concentração é a força gerada pela prática de alertar a mente. É a concentração que leva a obtenção do Grande Despertar. Ao controlar sua respiração, você já está em processo de despertar; já está, por assim dizer, desperto. Para manter a mente alerta por longo tempo, é necessário observar a respiração por tempo equivalente”.
“Nos Sutras, diz Buda que, para se obter concentração, é preciso usar a respiração. O Sutra que ensina o uso da respiração para manter a consciência desperta é o “Anapanasati”, que foi traduzido e comentado pelo mestre zen Khuong Tang Hoi, do Vietnã, por volta do séc. III d.C. “Anapana” significa respiração, e “Sati” significa consciência. Tang Hoi traduziu-o como “Consciência em Guarda”. O “Anapanasati” é, portanto, o Sutra que versa sobre o uso da respiração para manter a consciência em guarda. É o 118` Sutra da coleção Majhima Nikaya e ensina 16 métodos para uso da respiração”.
“Nas sessões de meditação que iniciei recentemente para praticantes não vietnamitas, ensino vários métodos, bastante simples, que eu mesmo experimentei. Para os principiantes, sugiro o de “seguir o tempo de duração de cada respiração”. Peço a algum voluntário que se deite no chão, de costas, e convido os participantes a se juntarem em volta, para explicar-lhes alguns detalhes”:
1) “Embora a inspiração e expiração sejam funcionamento dos pulmões e se dêem na área do peito, a área do estômago também tem um desempenho. Quando os pulmões se enchem de ar, o estômago se levanta. Logo no início da inspiração, o estômago começa a se levantar. Mas após 2/3 da inspiração, ele começa a baixar novamente”.
2) Por que? Entre o peito e o estômago existe uma membrana muscular, o diafragma. Quando voce inspira corretamente, o ar enche primeiramente a parte inferior dos pulmões; antes que a parte superior também se encha de ar, o diafragma empurra o estômago fazendo-o levantar. Quando você tiver enchido a parte superior dos pulmões, o peito é empurrado para fora, fazendo o estômago baixar novamente.
A DOUTRINA DA FLOR DE OURO – Meditação como processo de individuação.
O conceito de “terceiro olho” como unificação de dois opostos representados pelo olho direito e olho esquerdo só pode ser compreendido quando relacionado com o processo de individuação. Um dos postulados empíricos básicos da psicologia analítica afirma haver um processo psíquico que persegue o seu próprio objetivo a despeito das circunstâncias exteriores. Tal processo psíquico é, em relação ao seu objetivo, a conscientização da integralidade e se realiza em símbolos, sendo fruto da confrontação dialética, da transcendência do consciente e do inconsciente.
Esse processo de individuação começa pela conscientização da “sombra”, dos traços obscuros de um indivíduo que são reprimidos ou empurrados para o subconsciente ou, existindo verdadeiramente, mas não sendo aceitáveis, projetam-se no outro. Esse problema da integração da sombra é tratado na Doutrina da Flor de Ouro sob a denominação de “alma-yin” e “alma-yang”, da seguinte maneira no texto do clássico taoísta:
“Mas o corpo não é somente o físico do tamanho de sete pés; nele se abriga ainda a alma-yin, que está ligada à consciência discriminadora e às suas funções, estando o surgimento da consciência discriminadora por sua vez, na dependência da alma-yin. A alma-yin, pertence ao yin, é a substância da consciência discriminadora. Enquanto essa consciência não for interrompida, a alma-yin transformará ininterruptamente os seus conteúdos através – e sempre – de novas existências e gerações”.
Além disso, há ainda a alma-yang, que é contida no espírito. Durante o dia a alma-yang mora nos olhos, mas à noite, ela se encontra no fígado. Enquanto mora nos olhos, ela vê; quando está no fígado, ela sonha. Os sonhos são as peregrinações do espírito, que é capaz de, num instante, atravessar os nove céus e as nove terras. Ao acordar, o homem é outra vez entregue à escuridão e ao abismo dos fenômenos, sendo novamente escravo da alma-yin.
Aqui, a alma-yin é vista como pertencente ao princípio yin, envolta nas propriedades do corpo, morando nele, ligada à Terra e, por isso, mergulhando nas profundezas, desce para o inconsciente. Ao contrário, a alma-yang, que é de consistência espiritual, eleva-se. Diz-se, ademais, que a alma-yin seria a substância da consciência discriminadora e, como tal, estaria enredada na cobiça e na culpa, sendo, desse modo, a causa da transformação repetida em novas formas de vida. Só quando for capaz de livrar-se dos enredamentos e do envenenamento, para transformar-se em alma-yang, ela será libertada do processo de transformação e se tornará livre.
Acontece, porém, que o yin e o yang são componentes da ação secreta do Tao (shen). Se a consciência discriminadora da alma-yin quiser libertar-se do enredamento dos desejos e da culpa, deverá aprender a abrir-se para o mistério do Tao e permitir que o milagre atue nela. Pode-se aprender isso pela “circulação da luz”. O texto prossegue:
“Deixar circular a luz serve então ao fortalecimento da alma-yang, isto é, à preservação do espírito, à sujeição da alma-yin, à interrupção da consciência discriminadora. Para superar o mundo perecível, os anciãos se exercitaram em derreter inteiramente as escórias da alma-yin, eliminado-as e encontrando assim, a volta à origem pura (ch’ien, céu). E isso é justamente a extinção da alma-yin e a realização da alma-yang”.
“Fortalecimento da alma-yang”, “preservação do espírito”, “sujeição da alma-yin”, “interrupção da consciência” são formulações que permitem supor uma influência da doutrina budista Vijnaptimatrata. Esta doutrina ensina como a consciência discriminadora permite transformar-se em prajna, sabedoria. Este prajna budista é, evidentemente, idêntico ao conceito do yang puro ou ch’ien puro, e este é, ao mesmo tempo, o nome do hexagrama feito de seis traços yang que representa a energia criadora do micro/macrocosmo, a atuação maravilhosa do Tao.
A palavra chinesa P’o, alma-yin, foi traduzida por Richard Wilhelm como anima e confrontada com o conceito hun (alma-yang) a que chamou animus. Jung aceitou esse termo anima para designar o “afetivo-feminino” no caráter do homem, enquanto animus representa o elemento masculino correspondente no caráter feminino. Jung afirma:
“O animus (na mulher) é um logos reduzido, uma caricatura do espírito masculino diferenciado, tal como a anima (no homem) no nível inferior é uma caricatura do Eros feminino”
“Esse Espírito Celeste é semelhante a uma casa cujo o dono é a Luz. Por isso, logo que a luz começa a circular, a energia vital (Ch’i) de todo o corpo sobe ao trono...” diz a Doutrina.
“O animus (na mulher) é um logos reduzido, uma caricatura do espírito masculino diferenciado, tal como a anima (no homem) no nível inferior é uma caricatura do Eros feminino”
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Surge então a tarefa de libertar a anima e o animus e elevá-los à consciência, caso se queira que uma personalidade se desenvolva com plenitude e equilíbrio.
Nessa teoria de libertação da psicologia analítica, a anima – o eros inferior do homem – e o animus – o logos inferior da mulher – correspondem então à alma-yin, isto é, ambos não são parceiros íntegros do eu, não são shen (espírito vivo ou expressão do Tao), mas pertencem, por um lado, à esfera obscura, inferior e terrena, ao inconsciente pouco agradável e irritante de uma personalidade e são, por outro lado, potenciais da mais alta possibilidade de desenvolvimento do amor e do espírito. “Derreter inteiramente as escórias da alma-yin", conforme o sentido da “Doutrina da Flor de Ouro” , pretende integrar os conteúdos inconscientes à consciência. Desse modo, o consciente é libertado do enlaçamento com as esferas inconscientes e obscuras e, ao mesmo tempo, é ampliado e enriquecido, passando a ser permeável a atuação maravilhosa do Tao, do espírito puro (shen). Isso é o Retorno à Unidade de Tao. Para consegui-lo , é preciso deixar circular a “luz do terceiro olho”, isto é, a consciência do consciente e do inconsciente em nível superior, através das práticas de respiração do corpo, a fim de que este se torne um templo do espírito onde o Tao reina.