Arcanos Maiores

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Tarot de Marselha

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

CRIAÇÃO




ADAM CADMON

      Era noite escura, érebro, trevas, abismo profundo, sonho de Brahman, onde flutuava sem forma, direção, ou conteúdo o pobre pensamento solitário como semente primeva. Esfera crescente, brilhante e sem forma até onde a vista alcança, mesmo sem olhos para vê-la, mergulhada no silêncio, mesmo sem ouvidos para escutá-lo, nem grande, nem pequena, pois ainda não existia o limiar diferencial do espaço-tempo nem as dez mil coisas. Ponto solitário de luz inimaginável em densidade absoluta, gota transformada em oceano, negro plasma abissal do vazio que difere da concepção do nada, e que de repente se ilumina, explode em miríades de corpos, brotam da sua cornucópia astros, sóis, elementos, bilhões de entes cósmicos ainda sem nome, energia bruta que se expande e cria vida numa dimensão absoluta, em outro plano, além da comum existência planetária.

       Ao ritmo das esferas em suas órbitas em seu primeiro movimento celeste, espacial harmonia  criada do caos oceano vagueia o solitário átomo, como nuos de energia primeva. No palácio da existência, que surgia como cristalina virtualidade em um plano além do entendimento, como flutuante estrutura que abrigava em sua nave o grande salão da imaginação recém urdida, aos primeiros reflexos da luz do fio da existência, o assente espelho espectral emanava sucessivas imagens que se refletiam até o infinito e projetava como prisma o reflexo D’Ele, ou seria Ele o reflexo do recém-nascido?

     ─ Já terminou ? – implora o pobre pensamento ao silêncio perpétuo do grande pavilhão.

    ─ Não, tudo está apenas começando – responde o indizível reflexo.

    ─ E o Escuro Abismo, aonde está?

    ─ Ele ainda sobrevive em teu intimo ser – responde a reflexa voz do silêncio.

    ─ Quem é você? – pergunta o ingênuo pensamento sem mácula.

    ─ Eu sou o Verbo que criastes a tua própria semelhança, eu sou teu sonho de solidão, fruto da tua ânsia de vida – responde sem palavras, o reflexo.

    ─ Sinto frio, nem a penetrante luz que emana dos bilhões de sóis acalenta meu espírito.

    ─ Agora simplesmente És – ensina o Verbo – isso que sentes é o frio da existência que trespassa o Ser Primordial

   ─ Sinto Vazio! – reclama o recém-nascido.

   ─ Esta é a pena eterna de existir, nos milhares de entes que engendraste, na pretensão de escapar da solidão perpétua, teus duplos astrais, tuas velozes partículas recém-criadas ainda se limitam entre si em suas órbitas, cada uma delas detentora da totalidade de tua consciência e retornam ao Abismo impenetrável do não ser, teu berço progenitor, o Mistério Absoluto, a Fonte.

   ─ Continuo só!  – exclama choroso o pobre pensamento para seu reflexo no espelho da aurora.

   Nesse instante de perplexidade e questionamento do Ente, que bem pode ter sido um lapso infinito no tempo ou apenas um nanossegundo, brota no rosto recém-nascido singela lágrima divina, e dessa fonte lacrimosa cria a Mente Primordial pela primeira vez a dúvida eterna ao alvorecer do dia de Brahman.

   ─ Quem somos nós? De onde viemos?