ADAM CADMON
Era noite escura, érebro,
trevas, abismo profundo, sonho de Brahman, onde flutuava sem forma, direção, ou
conteúdo o pobre pensamento solitário como semente primeva. Esfera crescente,
brilhante e sem forma até onde a vista alcança, mesmo sem olhos para vê-la,
mergulhada no silêncio, mesmo sem ouvidos para escutá-lo, nem grande, nem
pequena, pois ainda não existia o limiar diferencial do espaço-tempo nem as dez
mil coisas. Ponto solitário de luz inimaginável em densidade absoluta, gota
transformada em oceano, negro plasma abissal do vazio que difere da concepção
do nada, e que de repente se ilumina, explode em miríades de corpos, brotam da
sua cornucópia astros, sóis, elementos, bilhões de entes cósmicos ainda sem
nome, energia bruta que se expande e cria vida numa dimensão absoluta, em outro
plano, além da comum existência planetária.
Ao ritmo das esferas em suas órbitas em
seu primeiro movimento celeste, espacial harmonia criada do caos oceano vagueia o solitário
átomo, como nuos de energia primeva. No palácio da existência, que surgia como
cristalina virtualidade em um plano além do entendimento, como flutuante estrutura
que abrigava em sua nave o grande salão da imaginação recém urdida, aos
primeiros reflexos da luz do fio da existência, o assente espelho espectral emanava
sucessivas imagens que se refletiam até o infinito e projetava como prisma o reflexo
D’Ele, ou seria Ele o reflexo do recém-nascido?
─ Já terminou ? – implora o pobre
pensamento ao silêncio perpétuo do grande pavilhão.
─ Não, tudo está apenas começando –
responde o indizível reflexo.
─ E o Escuro Abismo, aonde está?
─ Ele ainda sobrevive em teu intimo ser – responde
a reflexa voz do silêncio.
─ Quem é você? – pergunta o ingênuo
pensamento sem mácula.
─ Eu sou o Verbo que criastes a tua própria
semelhança, eu sou teu sonho de solidão, fruto da tua ânsia de vida – responde
sem palavras, o reflexo.
─ Sinto frio, nem a penetrante luz que
emana dos bilhões de sóis acalenta meu espírito.
─ Agora simplesmente És – ensina o Verbo –
isso que sentes é o frio da existência que trespassa o Ser Primordial
─ Sinto Vazio! – reclama o recém-nascido.
─ Esta é a pena eterna de existir, nos
milhares de entes que engendraste, na pretensão de escapar da solidão perpétua,
teus duplos astrais, tuas velozes partículas recém-criadas ainda se limitam
entre si em suas órbitas, cada uma delas detentora da totalidade de tua
consciência e retornam ao Abismo impenetrável do não ser, teu berço progenitor,
o Mistério Absoluto, a Fonte.
─ Continuo só! – exclama choroso o pobre pensamento para seu
reflexo no espelho da aurora.
Nesse instante de perplexidade e
questionamento do Ente, que bem pode ter sido um lapso infinito no tempo ou
apenas um nanossegundo, brota no rosto recém-nascido singela lágrima divina, e
dessa fonte lacrimosa cria a Mente Primordial pela primeira vez a dúvida eterna
ao alvorecer do dia de Brahman.
─ Quem somos nós? De onde viemos?
Nenhum comentário:
Postar um comentário